domingo, 22 de janeiro de 2012

Galeria Mário Sequeira

Galeria Mário Sequeira, Carvalho Araújo, Braga, 1997

Arquitectura, arte e lugar.

A chegada ao edifício é feita a partir de um percurso desde o exterior, no qual nos deparamos com uma passadeira de betão branca que se desenvolve a partir do edifício e nos recolhe. Porém, olhando atentamente, reparamos que esta não é a entrada principal, e que facilmente se é enganado por esta estranha ambiguidade que o edifício nos apresenta, a entrada principal é do outro lado. Esta era a entrada de serviço.


Inicialmente o espaço de galeria situava-se na casa da quinta, a residência de Mário Sequeira, no entanto, existiam alguns problemas em torno da flexibilidade deste espaço, essencialmente pela pouca capacidade de pé direito que apresentava. Além disso, o facto de a galeria se encontrar dentro da casa, colocava alguns conflitos entre o espaço aberto ao público e o espaço privado da habitação. A construção da nova galeria deveria atender fundamentalmente a estes dois pontos – a questão preservação da vida privada e a questão da funcionalidade do espaço da galeria. Há ainda um terceiro ponto a considerar, o mais fundamental para a materialização do projecto e que é o mecanismo chave segundo o qual os pontos anteriormente referidos se vão desenvolver; O respeito pelos valores e singularidades do lugar.

É este espirito de sacrifício pelo lugar que rege a articulação volumétrica do edifício, o momento em que vemos o projecto como um todo conceptual (a partir do pátio de estacionamento), na realidade, quase não o vemos, pois este expande-se em direcção à paisagem a partir da cobertura verde contendo a sua presença. Este momento revela um grande sentido de complementaridade com a casa da quinta, com o seu pátio e a entrada principal, é o gesto que resume a principal premissa do projecto. Porquê aceder pela entrada de serviço?

O espaço de estacionamento é comum à galeria e à casa da quinta, esta partilha provoca determinados atritos no domínio privado da casa, que à partida deveriam ter sido evitados, portanto, o modo como encontramos o edifício teve de ser redefinido, o que acaba por fazer com que não tenhamos primeiramente o contacto com o lado bunker da galeria, o corpo de betão enterrado e escondido, e sim com o seu lado mais normal, o volume branco que faz um jogo de duas cotas, recebendo a rampa de acesso para as obras de arte, a descer em direcção ao interior, e a rampa de acesso para visitantes a subir em direcção ao interior.

Mas para falar da sua função será necessário esquecer tudo o resto, o exterior não importa, ele é ignorado pelo interior, o que interessa é a exposição, que ainda na metáfora do bunker, tem de ser protegida de qualquer distúrbio que perturbe o olhar sobre a arte. Segundo Brian O’Doherty, na sua obra “Inside The White Cube: The Ideology of the Gallery Space”, o espaço de galeria deveria ser construído segundo regras tão rigorosas como aquelas aplicadas na construção de uma igreja medieval. O mundo exterior não poderá entrar, as paredes serão brancas e a luz virá do tecto. Tal como no bunker, a luz é artificial, o exterior não participa do seu interior, nem o tempo, existe apenas a noção do espaço a que pertencemos naquele momento, um momento temporal que não importa definir ou quantificar. Para apreciar uma pintura, é necessário dirigir o pensamento para o corpo que a define, o seu suporte, com limites definidos. Neste momento há uma tentativa de desconexão com o exterior, com o espaço. O espaço de galeria é um espaço que ligamos e desligamos constantemente. Seguindo esta linha de pensamento, o espaço da galeria é tanto mais competente quanto menor for a marca que deixa a quem o explora, pois mais espaço mental sobra para a obra artística. É assim que funciona o espaço da Galeria Mário Sequeira, é um espaço que funciona para olhar arte. A ausência de qualquer tipo de ruido visual nas salas de exposição explica esta vontade.


É necessário juntar todas as partes e referir que existe um grande sentido nesta obra, e que este se encontra nas relações que se estabelecem entre objecto artístico/sala da galeria e espaço da quinta/edifício da galeria. Esta é uma obra arquitectónica que funciona segundo a mesma lógica para o exterior e para o interior, a sua máxima preocupação situa-se em não deixar marcas na paisagem, nas exposições, nos visitantes da galeria e na vida privada de quem habita a quinta.

Aqui a arquitectura desempenhou um papel que pode ser lido de duas formas. Uma, a de que esta obra quis permanecer neutra em relação à paisagem, flutuando na morfologia do terreno com uma cobertura ajardinada para não interferir nas características pré-existentes do lugar. Na segunda hipótese de leitura, a obra põe o lugar em causa, dá-lhe um novo grau de preponderância, obriga a pensar sobre ele e a olhá-lo de outra forma, através do olhar da arquitectura: O lugar é pensado enquanto objecto de arte e é o edifício da galeria que lhe garante o seu valor artístico. 



Bibliografia:

NEVES, José; Carvalho Araújo, True Team, 2009.
O'DOHERTY,Brian; Inside the White Cube: The Ideology of the Gallery Space, London: University of California Press, 1999.




Desenhos do projecto retirados de:

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